BRUNO PALMA, POETA

por Marcus Fabiano

Ontem o frei Bruno me ligou com uma ótima notícia: “Está pronto, venha ver como ficou!”. Tratava-se de O mar e o búzio, seu primeiro livro de poemas, que acabava de chegar das oficinas da editora Com-arte (ECA-USP) em cuidada edição coordenada por Plínio Martins Filho. Bruno tornou-se há alguns anos um dileto amigo e um parceiro de muitas trocas: poemas, traduções, pesquisas, debates linguísticos e filosóficos, testemunhos de outras épocas e sensibilidades. Entre os cafés que lhe ofereço e os sorvetes que ele sempre tem no Convento dos Dominicanos onde vive cercado por uma biblioteca de 25.000 volumes, considero essa uma das trocas geracionais mais importantes de minha formação. Debruçando-se sobre autores monumentais como Saint-John Perse e François Cheng, Bruno Palma é reconhecido como  um dos mais festejados tradutores de poesia no Brasil – ou “poeta por interposta pessoa”, como costuma dizer. Há alguns anos, escrevi um ensaio sobre o seu trabalho tradutório que levou Alfredo Bosi a me convidar a entrevistá-lo. Agora, aos 90 anos, e cedendo à insistência de diversos amigos, Bruno estreia como poeta em sua primeira coletânea autoral, fruto de um amadurecido acúmulo que remonta à década de 1950. Contudo, ele não para por aí: já anda preparando uma série de novos poemas sobre cirandas infantis (minuciosamente coletadas) e concluiu, há pouco, a tradução completa do magnífico de Stèles, de Victor Segalen, uma obra de 1914 fundamental para se compreender as aproximações estéticas entre o Ocidente e a China, e da qual já ofereci o “vazamento” de um belíssimo inédito. Abaixo, dois poemas de O mar e o búzio e um pequeno vídeo que fiz com o frei Bruno Palma lendo suas criações.

 

DESTINO

No dia azul como um grito,
vívidas algas prenunciam dias fastos;
filandras de lã e silêncio tramam o tempo.

Eis que a inquieta mão do vento
leva terrosos animais
para o sacrifício.
Afoitos harúspices,
interrogamos vísceras,
signos, indícios: ideogramas
calados.
Deciframos
sinistros cirros
no fígado da noite;
aquela mancha no pulmão da aurora
nos fala de espigas vazias
e de soturnas flores.
E quanto nos assombra
a máscara dos nimbos
entre os medrosos pássaros!

Enquanto na areia do chão
o dedo de Deus vai traçando
um fino, lúcido caminho.

Lins, 30.12.1959
Rio, 04.08.2005

 

A CAÇA

Um falcão pousou no meu braço.

Improvisei-me caçador:
luvas   correntes   petrechos
caros

(Os carbúnculos do olhar!
– seus gadanhos ferem menos.)

Iludir-me?  – O senhor é ele.
Traz brinquedos para o seu escravo:
pequenos pássaros:
mornas flores.

Pacto? Jogo? Seguimos

(Uma presa qualquer para entretê-lo)

por entre os juncais de um novo dia…

[A morte] Juiz de Fora, 26/27.02.1961.

12829017_10153411602847143_5203157545672076339_o

.

.