DA “CLAVIS PROPHETARUM” AO ANACRONISMO IDENTITÁRIO

por Marcus Fabiano

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O estilo pode ser muito claro e muito alto;
tão claro que o entendam os que não sabem
e tão alto que tenham muito que entender os que sabem.
Antônio Vieira, Sermão da Sexagésima

GRANDE SERMÃO: VIEIRA

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morre a carne para viver no verbo. e há os que se ocupem em fazê-lo eterno, convertendo galhardos gentios de alvoroços e ócios ao sereno murmúrio das jaculatórias. ou amansando índios pela sageza de panegíricos capazes de colher primores e primícias até de finezas invisíveis. alguns fazem dessa conversão um progresso: semeadura que fertiliza e medra ao tocar o solo certo, água da palavra minando contra o fulgor do infértil. comover, convencer: amanhar o espírito para as sementes do evangelho. já outros (muitos) para pregar aos ditos brutos preferem o martelo: golpes sobre o fiel insciente de ser apenas mais um prego, rês sem pastoreio, consciência posta a ferros. mas o semeador que lança grãos à pedra, entre espinhos ou pela estrada, sequer assim os desperdiça quando passa. a quem conhece a verdade por parábolas é dado distinguir o dom da graça, saber do concupiscente para melhor tanger-lhe alma. e se suas sementes são palavras, não convém que tratem coisa tanta ou vária. a fala em excesso diversificada é tiro sem escopo nem bala: raso onde o eloquente e o falastrão por igual naufragam. dos que saem a semear, convém cuidar os passos: saber o que logram fora e, de seus grãos, quais e quantos brotam, pois para pregar aos olhos, mais convém as obras. além das tais palavras, sempre certas e bem ordenadas. porém não como ladrilhos, antes feito estrelas: cada qual no seu lugar e jeito – em estilo muito alto e muito claro, como se há de pretendê-lo.

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clavis

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[Acima, o original da Clavis Prophetarum, de Antônio Vieira, revelado ontem ao mundo.
Poema de 2012, in: Hálux, inédito.]